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O fim de 358 anos de história

POR IZABELA MORVAN E PAULA BULKA

A terceirização e precarização da mão de obra são peças-chave na discussão sobre a privatização dos Correios, uma das maiores empresas estatais do Brasil
Página Inicial

    Desde 2019, o Governo Federal propõe a privatização dos Correios, 

a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT). O Congresso está prestes a aprovar essa decisão. Com isso, a relação entre a empresa e seus contratados terceirizados é evidenciada novamente. A Reforma Trabalhista de 2017 e a Lei da Terceirização buscam garantir ao contribuinte o recebimento de férias, 13º salário, aviso prévio, licença maternidade e paternidade, repouso semanal remunerado e depósitos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). 

    Apesar disso, a situação dos trabalhadores terceirizados permanece precária. Eliane dos Santos e Olga de Souza, duas ex-empregadas da MG Terceirizados, empresa terceirizada dos Correios, enfrentaram essa realidade. No Centro de Distribuição de Pinhais, vivenciaram cargas horárias extensas, falta de suporte no ambiente de trabalho e metas inalcançáveis. Nas suas próprias palavras, foram tratadas como “o cocô do cavalo do Zorro”. 
    Agora, sindicalistas e empregados dos Correios lutam contra a privatização da empresa, já que não há qualquer indício que a desestatização irá trazer alguma melhora para suas condições de trabalho. Segundo o presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas e Prestação de Serviços de Asseio e Conservação e Limpeza Urbana do Paraná (Siemaco Curitiba), Manassés Oliveira: “Falta responsabilidade em ambos os lados: as empresas não deveriam entrar na licitação se sabem da própria precariedade e os Correios não garantem ou verificam isso. Nós temos que organizar greves para exigir o que já deveria ser nosso.”

Transcrição

CORREIOS:
DA DECAÍDA
À ASCENÇÃO

              A discussão sobre a venda da mais antiga estatal do país — são

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358 anos de história — teve início em 2019 pelo Ministro da Economia, Paulo Guedes, que afirmou a urgência da separação dos Correios do controle do Estado. Em 2021, a desestatização da ECT, mais conhecida como Correios, se encontra próxima de sua conclusão.

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     Parte da vontade do governo Bolsonaro em vender uma das maiores empresas públicas do Brasil vem da política neoliberal adotada em conjunto à necessidade de se afastar dos escândalos e prejuízos bilionários dos Correios no passado. Em 2005, foi divulgada uma gravação do então Chefe do Departamento de Contratação e Administração dos Correios, Maurício Marinho, recebendo propina de empresários que gostariam de participar de uma licitação da empresa. O vídeo ainda mostra Marinho confirmando que tinha autorização do ex-deputado federal Roberto Jefferson para o mencionado desvio de dinheiro. A gravação detalha o esquema de corrupção que viria a se tornar o "Escândalo do Mensalão".

        Após o caso, a imagem dos Correios como uma instituição de confiança e qualidade teve uma drástica mudança. Nos anos seguintes, problemas na política de represamentos e reajustes contra a inflação somaram-se à visão negativa da estatal. Com isso, entre 2014 e 2016, a empresa acumulou rombos bilionários que somam mais de cinco bilhões de reais, fechando o ano de 2016 com saldo negativo de R$ 1,48 bilhão.

    Contudo, em 2018, com a mudança na presidência e aumento no transporte de encomendas, os Correios tiveram um aumento nos lucros semestrais chegando a 111 milhões de reais. O crescimento do registro líquido da estatal vem se repetindo nos últimos quatro anos de forma consecutiva. Em 2020, a empresa alcançou o lucro líquido de 1,53 bilhão, publicado pelo Diário Oficial da Nação (27/05/2021). Com o resultado, o patrimônio líquido da estatal foi para R$ 949,6 milhões, acrescentado ao capital social, que agora contabiliza mais de 3,4 bilhões de reais.

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QUEM SOU

DE PERO VAZ DE CAMINHA À PRIVATIZAÇÃO

A

origem dos Correios é um marco para a historiografia do Brasil

— data desde o período colonial, em 1663. Porém, o primeiro registro de trocas de correspondência vem de mais de cem anos antes, em 1500, com a primeira carta escrita em solo nacional: a carta de Pero Vaz de Caminha para o rei de Portugal Manuel I. 

         Os Correios é uma das estatais mais longínquas do território nacional e uma referência mundial de um sistema eficiente de remessas e entregas. A empresa também promove e participa de importantes projetos socioambientais como o “Papai Noel dos Correios”, que há mais de 30 anos recolhe cartas de crianças socioeconomicamente vulneráveis de todo o país e envia presentes em troca.

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LINHA DO TEMPO
 

Criação do Correio-Mor no Rio de Janeiro

1663

25 DE JANEIRO

Teve início a entrega domiciliar

1885

Os serviços de correio e os telégrafo se fundem com a criação do Departamento dos Correios e Telégrafos (DCT)

1931

26 DE DEZEMBRO

Criação da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), início de inovações e maior eficiência nos serviços prestados

1969

20 DE MARÇO

Implementação do Código de Endereçamento Postal (CEP)

1971

Cláusula na Lei 6.538 abre a possibilidade a criação de convênio dos Correios com empresas privadas

1978

A empresa recebe a autorização para a implementação das Agências de Correio Franqueadas (ACF)

1990

Os Correios se envolvem no esquema do Mensalão após vazamento da áudio de Maurício Marinho recebendo propina 

2005

Empresa começa a ter prejuízos milionários

2014 a 2016

Os Correios se recuperam financeiramente e fecham com lucro, crescimento recorrente nos próximos dois anos

2018

A PARTIR DE

Aprovada pela Câmara dos Deputados projeto que viabiliza a privatização dos Correios

2021

5 DE AGOSTO

O MOTIVO DA PRIVATIZAÇÃO

A

iniciativa da desestatização da maior empresa de logística da 

América Latina converge com os resultados positivos apresentados pelos Correios nos últimos anos. Atualmente, o projeto da privatização (PL 591/2021) está para ser enviado ao Congresso Nacional. O projeto abre os Correios para a iniciativa privada e garante a universalidade do setor mesmo após a privatização.

         A privatização ainda é uma questão que gera debate até mesmo aos trabalhadores e sindicalistas dos Correios. Quando perguntado sobre sua opinião na aprovação do PL 591/2021, o Secretário Geral do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Comunicações Postais, Telegráficas e Similares do Paraná (Sintcom) Adailton Francisco Cardoso afirma que o Paulo Guedes, atual Ministro da Economia, deseja realizar uma reforma administrativa, mas que envolve apenas a classe operária e os professores: “[Paulo Guedes] coloca o funcionário público como um 'gafanhoto', como ele mesmo citou, que come tudo. E que o serviço público não funciona, e [isso] é uma grande mentira.”

 

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    Outras medidas já foram tomadas anteriormente com o objetivo de interferir no funcionamento dos Correios. Em 1991, durante o governo de Fernando Collor, surgiram as agências franqueadas, que perduram até os dias atuais, como também o início do processo de integração da terceirização do trabalho nas linhas de logística e limpeza.

QUEM SOU

 “AS PESSOAS DESMAIAVAM
DE TÃO
QUENTE QUE ERA”

A

s condições de trabalho dos funcionários terceirizados dos 

Correios piorou drasticamente com a chegada da pandemia da Covid-19. Só no Centro Internacional de Cargas dos Correios (CEINT) de Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba, dois funcionários morreram em junho deste ano por complicações da doença. O CEINT é o maior centro internacional dos Correios no Brasil, responsável pelo despacho de encomendas para todo o país.

         O Secretário Geral do Sindicato dos Trabalhadores dos Correios (Sintcom-PR) Adailton Francisco Cardoso conta que o sindicato precisou entrar na justiça no início da pandemia para que os funcionários recebessem itens de proteção necessários. “No mês passado tivemos vários infectados no CEINT, principalmente os terceirizados”, afirma. Quanto ao tratamento precário desses funcionários, Cardoso reforça: “Ali trabalham mais de 600 pessoas e não tem distanciamento, compartilham o mesmo refeitório.”

 

“Eles iam trabalhar doentes,

por que se faltasse ao emprego eles iam ser demitidos”

 

         Além da falta de distribuição de itens de proteção, como o álcool em gel, o ambiente fechado e mal ventilado tornou o CEINT, em 2020, um ambiente propício para contaminações em massa. A ex-funcionária terceirizada dos Correios Eliane Cristina Silveira dos Santos relata: “As pessoas desmaiavam de tão quente que era”. Eliane recebeu a equipe desta reportagem em sua casa, em Pinhais, junto à sua amiga Olga Aparecida de Souza. 

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        Eliane e Olga começaram a trabalhar no centro internacional em 2019 e deixaram a empresa em 2020, em função da falência da contratante MG. Ambas revelaram inúmeros tratamentos hostis e abusos físicos e psicológicos que os funcionários recebiam, além do constante atraso do salário e dos benefícios como o vale-transporte e alimentação. “Dores musculares a gente tem muito, porque é muito peso, em torno de 50 quilos. Quando eu e ela estávamos juntas uma ajudava a outra”, desabafa Olga.

        “As cargas que chegam da China são sujas e imundas, chega com xixi de rato, molhado da chuva, é bastante precário”, descreve Eliane. O cumprimento de metas exorbitantes na central, tornava mínima a permissão concedida pelos supervisores para os funcionários utilizarem os banheiros: “A sua mão fica suja e não pode sair para limpar, só passar álcool em gel em cima da sujeira e daquele pó todo”, complementa.

      Olga conta que era comum funcionários irem trabalhar mesmo com os sintomas da Covid-19, visto que a política da MG autoriza o afastamento apenas com atestado médico e comprovação da infecção pela doença. “Eles não aceitavam atestado por nada, você tinha que ter o Covid confirmado, então por óbito. Covid confirmado ou gravidez.” A MG foi contatada pela equipe desta reportagem, mas não quis se pronunciar sobre os casos.

 

“Os uidados foram

mínimos, infelizmente alguns amigos a gente perdeu ali”

 

    Além dos trabalhadores doentes, os Correios do Paraná ainda são acusados de ocultar informações sobre o número de trabalhadores contaminados e mortos pela Covid-19. Para Cardoso, o número de mortes no estado pode ser bastante expressivo: “Tiveram companheiros nossos que perderam suas vidas através da Covid-19. O Correio não dá o número de pessoas, mas aqui no Paraná foram mais de 30."

        O Professor de Direito Trabalhista da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Sidnei Machado confirma as intenções de algumas empresas em omitir esses dados: “Na pandemia, as empresas têm feito testes de Covid e têm retido essa informação, não repassado para as autoridades sanitárias, nem para o sindicato”. O professor ainda garante a obrigatoriedade das empresas em fornecer equipamentos de segurança e proteção pessoal. “Se a empresa não fornece, deveria o Ministério do Trabalho ou Ministério da Economia autuar a empresa”, reforça.

As ex-funcionárias terceirizadas dos Correios, Olga (à esquerda) e Eliane (à direita). 

 Eles iam trabalhar doentes,

porque se faltasse ao emprego, eles iriam ser demitidos

Os cuidados foram

mínimos, infelizmente alguns

amigos a gente perdeu ali

SUCATEAMENTO DE MÃO DE OBRA COM A TERCEIRIZAÇÃO

A

terceirização é vista como um meio de sucatear a mão de obra

do trabalhador, barateando o seus custos de produção com o funcionário. Com a privatização dos Correios, existe a possibilidade de que outras companhias também sofram as mesmas consequências, provocando o aumento de agências terceirizadas nas empresas e, consequentemente, a facilidade na aprovação de projetos de lei que ofereçam a venda de empresas multimilionárias estatais. 

         O professor de Direito do Trabalho da UFPR Sidnei Machado afirma que a terceirização está institucionalizada no Brasil, segundo ele “o trabalhador terceirizado já está em uma condição precária, porque está em um trabalho menos remunerado, com menos direitos e em uma condição frágil contratualmente, pois ele é contratado por uma empresa que trabalha para outra empresa. Ele não tem nenhuma possibilidade de carreira.”

       Machado afirma que a terceirização é uma chaga no mercado do trabalho brasileiro. O argumento central das empresas acaba sendo o custo e o desejo na transferência de riscos para uma empresa menor, com fragilidade econômica e por consequência, com riscos maiores para o trabalhador. 

         A garantia dos direitos dos trabalhadores terceirizados entrou em debate apenas com a Reforma Trabalhista de 2017. Antes da definição por lei, trabalhadores terceirizados ficavam à mercê de seus chefes sem proteção ou garantia pela Consolidação das Leis do Trabalho, mais conhecida como CLT. No atual contexto pandêmico, mesmo tendo seus direitos cobertos pelas novas leis trabalhistas, são muitos ainda que sofrem com contratos rescindidos sem justa causa, falta de remuneração legítima e a omissão no cumprimento dos protocolos de segurança contra o coronavírus. O resultado é o aumento signifivativo do trabalho informal no último ano.

 

 

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         As classes de trabalhadores autônomos foram o grupo mais afetado durante a pandemia. Mais de 1,3 milhão de trabalhadores domésticos perderam as suas rendas, sendo que nenhuma medida chegou até eles por atuarem na informalidade. Para Machado, existe uma grande fragilidade na legislação que cobre apenas uma parcela pequena dos trabalhadores, já que apenas 30% possuem carteira assinada. “Entre esses, ainda existe uma diferença enorme na condição de trabalho e renda. Na minha opinião, o governo distribui os riscos da pandemia e quem sacrificou mais foram os trabalhadores, seja a suspensão ou a renda”, diz o professor.

Justa CausaProf. Sidnei Machado
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PRÓXIMOS
PASSOS

              MG Terceirização, citada anteriormente nesta reportagem, foi uma empresa que detinha o monopólio da oferta de funcionários para o centro internacional dos Correios em Pinhais, a CEINT. No fim de 2020, após várias polêmicas que envolveram desde destrato aos trabalhadores até atrasos salariais, a companhia faliu com pouco menos de 25 anos no mercado. A MG é uma entre as inúmeras empresas terceirizadas que fornecem mão de obra para centrais dos Correios no Brasil. 

         O contrato da MG com os Correios encerrou em novembro do ano passado. Após o aviso prévio, seus funcionários continuavam sem receber o salário de outubro, mês anterior. A sucessora na estatal foi a empresa GO2B que, no primeiro depósito em dezembro de 2020, cometeu erros nas folhas de pagamentos, nos descontos e nos cálculos de rescisão.

      A operação falha das terceirizadas na central de Pinhais é uma pequena amostra dos possíveis efeitos negativos da privatização da estatal. A importância dos Correios para a economia do Brasil é imensurável — um acúmulo de mais de 104 mil empregos gerados em todo o território nacional. A decisão do dia cinco de agosto é o primeiro passo para mudanças que rompem com mais de três séculos de história.

A

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